De Quem É a Responsabilidade? Erros Médicos Causados por Inteligência Artificial
A inteligência artificial (IA) tem revolucionado a medicina: diagnósticos mais rápidos, triagens automatizadas, prescrições sugeridas por algoritmos e até cirurgias assistidas por robôs. Mas com esse avanço tecnológico, surge uma questão inevitável — quando algo dá errado, quem é o responsável?
Erros médicos sempre foram complexos do ponto de vista ético e jurídico. Mas com a presença da IA na tomada de decisões, essa complexidade ganha novas camadas: quem responde quando a tecnologia erra? O médico, o hospital ou o desenvolvedor do software?
Neste artigo, vamos explorar os desafios de atribuir responsabilidade em casos de erro médico causados — ou influenciados — por sistemas de inteligência artificial.
O que é considerado um erro médico causado por IA?
Erros relacionados à IA podem ocorrer quando:
- Um diagnóstico automatizado é incorreto ou incompleto
- A classificação de risco feita por algoritmo rebaixa um caso grave
- A IA sugere um tratamento inadequado ou contraindicado
- A tecnologia interpreta erroneamente exames de imagem ou sinais clínicos
- A ferramenta omite alertas importantes durante o monitoramento do paciente
Mesmo quando o erro parece técnico, o impacto é humano: atrasos em tratamentos, agravamento de quadros e, em casos extremos, morte evitável.
O desafio da responsabilidade compartilhada
A complexidade dos sistemas atuais faz com que diversos atores participem da tomada de decisão assistida por IA, entre eles:
- O médico — que pode confiar (ou confiar demais) na recomendação da IA
- O hospital ou clínica — que contratou e implantou a tecnologia
- A empresa desenvolvedora — que criou o software e treinou os algoritmos
- O sistema regulador — que deveria fiscalizar e validar o uso da ferramenta
Quando um erro acontece, quem deveria responder?
Situações práticas: quem é responsabilizado?
📌 1. Quando o médico segue cegamente a IA
Se o profissional delega totalmente a decisão à IA e não exerce julgamento clínico, ele pode ser responsabilizado por negligência.
🟢 O que é esperado: que o médico use a IA como apoio, e não como substituto da análise clínica.
📌 2. Quando a IA apresenta erro sistêmico
Se o erro ocorreu por uma falha no algoritmo, treinamento enviesado ou mau funcionamento da ferramenta, a empresa desenvolvedora pode ser responsabilizada — especialmente se não houver transparência ou atualização contínua.
📌 3. Quando o hospital não oferece supervisão adequada
Se a instituição usa a IA sem treinar os profissionais, sem regulamentar seu uso ou sem informar claramente os riscos, ela pode ser responsabilizada por omissão ou imprudência institucional.
📌 4. Quando o paciente não é informado
Se o paciente não é avisado de que está sendo atendido com auxílio de IA — ou não consente com o uso — isso fere a ética médica e pode resultar em responsabilização civil da instituição ou do médico.
O que diz a legislação brasileira?
Atualmente, o Brasil não possui uma lei específica para responsabilização por IA na medicina. Porém, os casos podem ser avaliados com base em:
- O Código de Ética Médica
- A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)
- O Código Civil (art. 927) sobre responsabilidade por dano
- O Marco Civil da Internet, em casos de plataformas online
- Normas da ANVISA e do CFM, dependendo do tipo de tecnologia
A LGPD é especialmente importante, pois estabelece que dados sensíveis de saúde precisam de tratamento seguro, transparente e com consentimento explícito.
Responsabilidade solidária: o futuro inevitável
Diante da complexidade, especialistas apontam que o caminho mais seguro é o da responsabilidade solidária — ou seja, múltiplos agentes podem responder conjuntamente por um erro, conforme o grau de envolvimento e negligência.
Isso estimula:
✅ Desenvolvedores a criarem algoritmos mais explicáveis e auditáveis
✅ Instituições a investirem em treinamento e supervisão
✅ Médicos a manterem o julgamento clínico como pilar central da prática
O que instituições e profissionais podem fazer?
✅ Adotar IA com critérios técnicos e éticos
- Verifique certificações, validações clínicas e compliance com a LGPD
- Prefira plataformas com IA explicável (Explainable AI)
✅ Treinar profissionais continuamente
- O uso seguro da IA depende da formação crítica de quem a opera
- Incentive o uso da IA como suporte, e não substituição
✅ Informar os pacientes
- Tenha políticas claras de consentimento informado
- Esclareça que o atendimento pode incluir análise por IA
✅ Registrar tudo
- Mantenha histórico das decisões, relatórios gerados e análises complementares
- Isso facilita auditorias e reduz riscos jurídicos
IA sem responsabilidade é risco, não inovação
A tecnologia pode salvar vidas — mas também pode colocar vidas em risco se usada de forma irresponsável. O grande desafio está em conciliar inovação com responsabilidade profissional e ética.
A inteligência artificial é um avanço. Mas o compromisso com o cuidado humano, com a transparência e com a justiça deve estar sempre à frente.
Conclusão: a tecnologia é poderosa, mas a ética é indispensável
À medida que a IA se torna mais presente na medicina, precisamos construir uma cultura de responsabilidade compartilhada. Não basta perguntar “o que a IA pode fazer?”. É essencial questionar também: “quem responde se algo der errado?”
Proteger o paciente, valorizar o julgamento clínico e responsabilizar todos os envolvidos são passos essenciais para uma medicina mais segura, justa e eficiente.
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